Nos dias atuais percebemos como o automóvel faz parte do ideário de consumo da maioria das pessoas, e se estabelece, como ferramenta de transporte e trabalho ligada às necessidades econômicas e sociais das populações em geral.
Ao ser introduzido na cidade de Cuiabá nos primórdios do século XX, como um dos símbolos máximos de modernização dentro da perspectiva dos moldes burgueses, cheio de intencionalidades, causando influência e interferência, configurou o espaço, no modo de representação da cidade e de apropriação do cidadão, incidindo ao imaginário, de uma parcela de pessoas, e definindo, ao longo do tempo, um novo modo de viver a cidade. O automóvel transforma a cidade, reafirma a individualidade do sujeito social.
A sociedade do século XX se estrutura pelo consumo, onde as pessoas se reconhecem, iguais ou diferentes pelas coisas que adquirem, ou mesmo pelo desejo de consumir. É nesse contexto do capitalismo que o automóvel é visto como mercadoria de grande valor social, que a diferencia, e não apenas como um artefato tecnológico que o auxilia[1].
Em Cuiabá, esteve em desenvolvimento nos primeiros 60 anos do século XX a ideia de que o sistema capitalista, em pleno andamento no Brasil, seria uma forma de instituir o movimento para o progresso local. Essa relação entre progresso e capitalismo é presente nos jornais locais da época, como o já citado “O Matto Grosso” que, no dia 10 de julho de 1932, publica artigo intitulado “Mato Grosso Opulento”, onde fica clara a ideia de crescimento e progresso aliado ao sistema capitalista e seus investimentos ao anunciar que:“As noticias da opulência das riquezas naturaes do Estado, acham-se dissiminadas por toda parte, interessando as sociedades scientfificas e ao capitalismo, na sua ânsia de progresso. […] É sempre noticia auspiciosa aos nossos leitores o registo de occurrencia como essa, pois o despertar do Norte está latente e, de um momento para outro, experimentará um surto de vertiginoso progresso[2]”.
Essas práticas sociais estão diretamente ligadas a ideia de modernidade e são homogeneizadoras na sua finalidade. “trata-se de um complexo sistema produtor de mercadorias que, juntamente com uma de suas mercadorias mais impositivas – o automóvel”, vão atingir o objetivo ao produzir uma rede social cuja trama “abarca sem lacunas a terra inteira”. O aparecimento do automóvel a combustão na sociedade cuiabana na primeira metade do século XX, estabelece o processo de desenvolvimento da industrialização voltada para a produtividade e alto consumo, é influenciado por teorias da administração como o fordismo, pós-fordismo, o taylorismo, entre outras teorias enquadradas participantes das teorias clássicas da administração moderna, advindas da “Segunda Revolução Industrial” e carregadas de propósitos liberais para a concepção de espaços apropriados ao mecanismo do capitalismo.
Já na década de 1930, Cuiabá era assediada pela propaganda de ideias liberais disseminadas fortemente pelo governo federal, por meio dos periódicos locais que se empenhavam em evidenciar o sistema capitalista e o lucro como a melhor saída para a nação progredir e alcançar uma condição social digna. O jornal “O Matto Grosso” publica, em 07 de julho de 1936, artigo criticando o sistema político comunista existente na Rússia, ao afirmar que “sem liberdade e sem esperança de lucro não há trabalho eficiente, nem há progresso possível. Isso em qualquer tempo e sob qualquer meridiano”[3].
A alta produtividade se desenvolvia para atender aos objetivos do capitalismo, em seu plano de poder e hegemonia, expressando em seus símbolos e representações maneiras e termos que vão edificar o modo de vida da maioria das sociedades do século XX. Neste viés, a indústria automobilística representa de maneira incontestável o motor do progresso e do desenvolvimento econômico, com relevância para o desenvolvimento da economia mundial e, consequentemente, um proselitismo ideológico que vai chegar à cidade de Cuiabá naturalmente. Podemos dizer que o automóvel vai “redimensionar o desenho do urbano”. Neste contexto, “o automóvel, tanto construtor quanto destruidor, encanta o homem” e, como tal, é um elemento essencial para se compreender a sociedade, sua reconfiguração e apropriação de um espaço cuiabano. A partir de 1919 o automóvel chega como artefato importante, porém, será após a década de 1930 que a cidade de Cuiabá estará de certa maneira projetada e, como na maioria das grandes cidades brasileiras, concebida para o automóvel.
No bojo dos projetos urbanísticos e políticas públicas neste período, há toda uma conjuntura social, política e econômica, com propostas que estariam de alguma forma: Considerando a cidade como lugar de aglomeração associada às atividades de produção e reprodução de bens e capital, é compreensível que ela demande a existência de meios de transporte eficientes. Partindo dessa premissa, o automóvel tornou?se assimilável justamente por ser eficiente para independência de movimentos e rapidez de efetivação das viagens[4]. Carregando em si um propósito intrínseco à necessidade natural que o indivíduo tem de se movimentar, principalmente por sua dificuldade de superar as distâncias nos espaços em que vive e convive: A experiência de vida de todo ser humano deriva diretamente da condição inata de movimentar?se.
Nas cidades o automóvel utiliza o sistema de circulação, fazendo parte dele, onde exerce suas condições individuais de mobilidade para ter acesso aos serviços, equipamentos, convívio com outros indivíduos, troca de informações e oportunidade de usufruir e fazer parte dos espaços por onde passa. A conjugação de formas e práticas sociais, especialmente nas grandes cidades, mostra que o conjunto das necessidades individuais de deslocamento resulta na sobreposição de diferentes modos de circular e configura um tecido denso de movimento. Sob a ótica do desenvolvimento econômico, esse tecido não pode ficar parado porque o movimento é algo essencial para reprodução do sistema de ideias e de coisas[5].
Essa função de atendimento às condições de mobilidade individual facilita a inserção do automóvel aos cenários da capital mato-grossense no início do século XX. Apesar de toda dificuldade, as elites locais, parcela da população desejosa por melhorias à cidade não resiste ao chamado do automóvel que, de igual modo à maioria das cidades brasileiras, se dirigia na direção dos ideais progressistas. No período de dezoito anos, entre 1919 e 1937, se intensificam os processos de inserção do automóvel aos costumes da cidade. O automóvel é o símbolo prático do progresso, está pelas ruas e pelo imaginário da população, e Cuiabá não ficaria fora dessa revolução.
[1]SCHOR, op. cit., p. 109.
[2]Matto Grosso Opulento. O Matto Grosso, Cuiabá, 10 jun. 1932, n. º 2263, Capa, p. 1. Coluna 3. Disponível em: . Acesso: 12/05/2017.
[3]A Rússia Empobrece-se Sob o Regime Soviético. O Matto Grosso, Cuiabá, 07 jun. 1936, n.º 81, p. 4. Coluna 1. Disponível em: . Acesso: 12/05/2017.
[4]120 SILVA, 2009, p. 13.
[5]121 SILVA, 2009, p. 13-14
Coluna Especial MT Econômico – Setor Automotivo
Colunista MT Econômico: Ricardo J. J. Laub Jr.
Historiador e Empreendedor graduado no Curso de Licenciatura Plena em História na UFMT- Universidade Federal de Mato Grosso e em EMPREENDEDORISMO (2005) pelas Faculdades ICE. Com Mestrado em História Contemporânea pela UFMT/PPGHIS. MBA – Master in Business Administration em Gestão de Pessoas, MBA – Master in Business Administration em Gestão Empresarial e MBA – Master in Business Administration em Gestão de Marketing e Negócios. Professor na faculdade, Estácio de Sá – MT, Invest – Instituto de educação superior. Presidente da AGENCIAUTO/MT- Associação do Revendedores de Veículos do Estado de Mato Grosso, com larga experiência profissional na elaboração de planos de negócio voltados para o ramo automobilístico, gerenciamento comercial, administrativo, controle de estoque, avaliação de veículos, processos operacionais e estratégicos para empresas do setor automotivo e gestão de pessoas no âmbito organizacional.